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Relíquias de um passado não tão distante

Por Lucas M. Dantas e Vinícius Moreira

Imagine ser comerciante de um produto ultrapassado ou especialista em uma arte em extinção. Imagine que a sua profissão esteja morrendo aos poucos, há pelo menos 30 anos, mas você continue a exercê-la, com inacreditável resistência. Sentado à máquina, detrás de uma mesa de fórmica manchada, seu Aldenor de Souza Lima tinha no rosto uma expressão de absoluta indiferença ao mencionar todos os fatores citados acima ao se referir, claro, a si e à sua insólita ocupação de limpar, consertar e comercializar máquinas de datilografar.


Ele realmente não se importa. E até brinca com a situação, gritando constantemente para os três funcionários que trabalham ao fundo da loja, que seu comércio ultrapassou o prazo de validade e não dura mais que dois anos. Os empregados, porém, garantem que isso não deve acontecer tão cedo. “Ele fala que vai fechar há muito tempo. Sempre vem com essa de que fechará daqui a dois anos, que o mercado vai acabar em dois anos. É blefe. Não vai dar. No final das contas, sempre aparece um maluco que não superou nossas maquininhas”, brinca José Renato, que não realiza outro ofício há mais de duas décadas.

 

As peças
No fundo da loja, separados por um lençol com estampa de tapeçaria, além de seu Aldenor, trabalham mais três funcionários com funções idênticas à do dono do estabelecimento. Eles passam o dia rodeados de inúmeras peças soltas e de um cemitério de máquinas, de onde retiram partes ausentes ou quebradas para realizar o conserto das defeituosas.

“Há muita coisa que encontramos facilmente por aqui. Mas nem tudo, na verdade, nós temos. Se forem coisas mais simples, como borracha, cromagem, querosene ou a própria fita, é mais fácil. Porém, tem vezes que as máquinas são elétricas ou exigem que façamos um pedido a São Paulo. Aí é complicado. Esse conserto pode acabar saindo por mais de R$ 50,00”, esclarece Carlos Antônio, um dos funcionários da loja.


Havendo as peças corretas, no entanto, Carlos afirma que “se garante” e nunca deixa passar nenhum conserto. “Rapaz, não existe essa de conserto difícil. Ou tem peça ou não tem peça. Pode mandar qualquer coisa para mim que eu coloco uma salvação. [Com] Qualquer modelo eu faço milagre”, assegura.

Os modelos​​​​​​​​​​
De uma certa forma, as máquinas de escrever se parecem com tanques de guerra. Diferentes dos produtos destinados para o mesmo fim (notadamente os mais modernos), as máquinas parecem ser fabricadas com uma espécie de armadura, o que as torna mais resistentes ao tempo.

Devido à mercadoria estancada, porém, seu Aldenor é obrigado a envolver todos os produtos em papel filme, para que não sejam invadidos pela poeira do local. Mas é só. Na vitrine da loja, podemos encontrar exemplares bem conservados de diversas décadas de uso e até um modelo centenário – este, nem tão conservado assim. Confira:

Ao ouvir entrar a primeira cliente do dia, seu Aldenor interrompeu a fala bruscamente e mirou em direção à entrada da loja, na Rua do Rosário. Tratava-se de uma senhora baixinha, a quem o proprietário foi acudir. Dona de uma mercearia, no entanto, estava em busca de uma balança, e não de uma máquina de datilografar (além das máquinas, seu Aldenor expõe nas vitrines, calculadoras e, também, balanças do tipo comercial, de até 30kg). “Infelizmente, meu amigo, é a realidade. Tem dias que tenho mais clientes de balança que de máquina”, lamenta.


Mas, e quem são os clientes de máquina de escrever nos dias atuais? Segundo seu Aldenor, há esperança em duas frentes: repartições públicas, que ainda geram promissórias e boletos bancários à máquina e, veja só, jovens saudosistas de uma época em que não viveram. Ele conta que quem já tem sua máquina, “no máximo traz a ele para consertos. Os novos compradores, geralmente, tem sido jovens. Parece que vez ou outra as pessoas gostam de recorrer ao passado”.


O que Aldenor teoriza não é de todo absurdo. A subcultura da nostalgia tem sido um fenômeno que não se pode ignorar. Formado, geralmente, por jovens de classe mais alta – que, diga-se, não abrem mão de seus smartphones, laptops e outros símbolos da modernidade -, esse grupo tem um gosto peculiar por artigos retrô.

 

Confessionário
 

Não que eu tenha aderido à moda de gostar do retrô, mas estou preso à máquina.



Meu interesse pelas máquinas de datilografar começou em uma noite particularmente improdutiva. Por vários dias, eu tentava escrever uma crônica cuja ideia havia surgido a mim já há várias semanas. Ao contrário do que geralmente acontece, não me sentia à vontade, sentado ao Notebook, escrevendo minhas histórias na madrugada. Faltava algo. O som do caminhão de lixo que passava todas as noites em minha rua quase deserta era motivo para que eu ficasse refletindo acerca de qualquer coisa aleatória por muitas horas e o chat do Facebook, então, era uma multidão gritando ao pé do meu ouvido.


Ao contrário da situação amena e tranquila que sempre encontrei ao escrever de noite, me dei de cara com um caos criativo sem tamanho. Não me entenda mal, não sou nenhum grande escritor e, bem, não se pode dizer que eu estava escrevendo nenhuma grande peça. Mas costumo levar muito a sério esse meu ofício de escriba, pois não há qualquer coisa que me proporcione mais prazer. 



Ao mesmo tempo em que tentava sair da primeira linha, fuçava a internet atrás de inspiração. Foi aí que a mágica aconteceu. Deparei-me com um texto de Charles Bukowski se questionando, à época, se trocaria a máquina pelo computador. Ele decidiu que sim. Bem, Eu decidi tomar o caminho contrário. Ao fim do outro dia, eu já trazia a minha primeira, única e maravilhosa Olivetti Lettera 35 à mesa de abate. Deu certo, hoje  já tenho duas (verdes, quase irmãs), e já que estou aqui, estive pensando nas razões para que isso tenha ocorrido. Listo abaixo, algumas das impressões:



  • As máquinas de escrever te impedem de se distrair com outras atividades, como facebook, bate-papos, e-mail etc. Para quem quer concentração, não há nada melhor.
  • É algo mais tátil. Não sei se consigo transmitir essa sensação sem que você tenha provado uma, mas o que acontece é que que você sente que está realmente escrevendo algo e não produzindo um texto artificial. Essa sensação vence a busca pela eficiência.
  • O som também é muito bom. Não há nada como o teco, teco, teco...
  • O erro faz parte.
  • Você se sente mais próximo do seu texto. Isso é único.

Convertei-vos!


Lucas M. Dantas

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