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“Táxi, amigo?”

A proposta costuma ser em sentido contrário: “Tá livre, moço?” Mas quando não são requisitados e a renda do dia ainda não está completa, o assédio é inevitável. O cotidiano dos profissionais do trânsito pode ser descrito por uma variedade de opostos. De acordo com as escolhas feitas durante a carreira, cada taxista pode se encaixar em um perfil diferente.

Por Cibele Marinho

Mais uma noite de trabalho

Pegar passageiro em ponto fixo é prevenção contra os riscos

A tabela de preços deve estar afixada no vidro interno dos carros

Há 4.392 táxis regulares em Fortaleza

 

As Vagas
 

As vagas de táxi são concessões de responsabilidade municipal. A prefeitura estabelece a quantidade necessária ao município, dita os itens obrigatórios, regulamenta e fiscaliza através de vários órgãos. Assim, possuir uma vaga de táxi significa participar de concurso público. O último edital foi publicado em março de 2009, ofertando 320 novas vagas. De acordo com a Lei Orgânica do Município de Fortaleza, em nossa cidade é necessário um táxi para cada 500 habitantes.  Há rumores entre os taxistas que outra licitação se aproxima.
 

A parte inicial da licitação exige uma série de documentos que comprovem a condição do licitante. Dentre as exigências, o candidato deve ser pessoa física, não pode ter empresa em seu nome, nem carteira assinada ou vaga de táxi anterior, além da ficha criminal limpa.
 

Quem tem a documentação aprovada, passa para a fase da proposta. O candidato apresenta o carro que pretende oferecer a serviço. Os táxis de Fortaleza têm que ser brancos, quatro portas, com menos de 10 anos de uso. Outros itens como ar condicionado ou air bags são colocados como estratégia para ganhar a vaga. Cada item aumenta a pontuação. Quem oferece os melhores carros, tem mais chance. Ganha a vaga, a proposta do carro vai funcionar como guia para a fiscalização.

Permissionário ou rendeiro
 

Márcio Pinheiro, 41 anos, se tornou permissionário em 2010. Ele diz que a vaga representou um alívio. “Agora eu sou dono do que ganho. Isso é muito importante, porque passei 10 anos pagando renda”. Essa diferença é a mais representativa na profissão. Quem não é permissionário, tem a opção de trabalhar como rendeiro. Não tendo vaga, nem carro, o rendeiro paga a um permissionário para trabalhar, como aluguel. Atualmente, a renda diária custa entre 70 e 100 reais. O valor é pago semanalmente. Todos os gastos com o táxi é por conta do permissionário.


Para Márcio, a renda é injusta para os dois lados. “Pro dono de vaga, 70 reais por dia é pouco pra manter o carro e as taxas da permissão. Já pro rendeiro, é muito dinheiro. Só começa a ganhar o dele depois de muito trabalho. Em fase ruim, ele mal tira o que tem que pagar.”

Disputa e lealdade
 

Essa obrigação pela renda explica o comportamento singular dos profissionais do volante. Não é difícil encontrá-los dormindo dentro dos carros, ou em bancos de praça. E quem nunca ouviu a frase irritada dos motoristas em geral, quando cortado por um deles em alta velocidade? “Só podia ser taxista!”.
 

Outro problema apontado por Márcio é a disputa entre colegas. Seja por passageiros, por pontos de táxi ou por lugares na fila, em baixa estação as brigas são constantes. “Já vi várias vezes taxista tirar passageiro de dentro do carro do outro. Alguns cobram um preço abaixo do justo, sem taxímetro, pra ganhar o cliente. Aí desvaloriza ainda mais nosso trabalho”, critica ele.
 

No entanto, quando se trata de problemas entre taxistas e motoristas de carros particulares, o companheirismo entre eles prevalece. “Chega a ser engraçado isso. Por exemplo, acontece de dois taxistas se pegarem por uma corrida. Um tempinho depois, um deles se envolve numa confusão de trânsito, o outro que brigou com ele tá lá, junto com outros taxistas, pra defender o cara”, conta Márcio. É a mesma coisa quando um carro “dá o prego”. Nessas horas, sempre se conta com os colegas de profissão.

Dia-a-dia ou noite-a-noite
 

Márcio Pinheiro escolheu trabalhar à noite. Prefere perder o conforto do sono noturno e a vida social comum da maioria das pessoas e da própria família. “À noite tem a vantagem da bandeira 2, tem mais paz no trânsito, sem tanto stress... você tem condições de fazer mais corridas. De dia perde mais tempo em engarrafamentos. Já tentei me acostumar, mas não sei trabalhar de dia”. Enquanto a bandeira 1 custa R$1,60, a bandeira 2 custa R$2,20.
 

O taxista acredita que os colegas que trabalham durante o dia, o fazem por medo dos riscos da noite e pela escassez de corridas. “É diferente a maneira que a gente trabalha. Não podemos pegar qualquer pessoa que dá sinal na calçada. A gente nunca sabe se é cliente mesmo.” Os taxistas da noite geralmente têm ponto específico ou clientes conhecidos. Márcio diz que nunca foi assaltado, mas o medo é constante. “Eu procuro me preservar. Ando sempre com quem conheço, com quem é indicado, ou turistas. O passageiro é analisado antes de entrar no carro.”
 

Ele avisa que há períodos do ano que acontecem mais assaltos. Como em dezembro, quando pelo mês inteiro, dia ou noite, cobra-se em bandeira 2, funcionando como 13º salário. “Nessa época, eles [assaltantes] acham que a gente tá com mais dinheiro”. Além dos assaltos, há receio de acidentes violentos. “Nas noites dos fins de semana, os caras saem pra curtir, tem muito doido pela rua, ficam embriagados ou dirigem de forma irresponsável.”
 

Perguntado sobre quantos amigos, colegas ou conhecidos foram perdidos por assalto ou acidente, Márcio diz que é difícil responder. “São muitos! A gente sempre fica sabendo dos casos. É muito comum, porque nos conhecemos, nem que seja só de vista.”
 

No rádio ou “na pedra”
 

Outra subdivisão da profissão é de quem roda pelo rádio ou “na pedra”. Pelo rádio, o taxista é integrante de um sistema. Esta forma de trabalho é mais segura, já que os clientes são identificados e o taxista tem comunicação direta com a central. Utilizam códigos e siglas específicos, que só eles entendem, como medida de proteção e para dinamizar o diálogo. QSL significa “mensagem entendida”; TKS quer dizer “obrigado” e QSP é o mesmo que “pessoa”. Mais não pode ser dito, para não comprometer a segurança.
 

Estar num sistema significa mais custos. Geralmente se paga um salário mínimo por mês. Nem todo taxista consegue administrar. Os rendeiros já têm as despesas com os donos de vagas e os permissionários têm os gastos com manutenção, bem dispendiosos. Um carro de praça roda de 60 a 80 mil quilômetros por ano. Por isso, muitos optam por rodar “na pedra”. Sem sistema de rádio, em uma verdadeira roleta russa, como apontado por Márcio.  Ele diz que rodar “na pedra” é aconselhável para os experientes. Dificilmente encontra-se um colega que oriente os novatos.

“Mesmo assim, a gente se diverte.”
 

Lidar com pessoas diversas, de forma quase íntima, rende aos motoristas de aluguel muitas estórias para contar. Márcio diz que “se vê de tudo durante a noite”. Coisas boas ou ruins, tristes ou engraçadas. “Cada taxista, pelo menos os da noite, podia muito bem escrever um livro”. Conta que já trabalhou para alguns famosos: “Rodei três dias com o Chico Diaz, no festival de cinema. Também fiz muitas corridas praquele ator que só faz papel engraçado. Nem sabia o nome dele, [fala do ator Ernani Moraes], mas toda vida que me vê, me chama de amigo. E aquele grandão que era do Parangolé... foi difícil caber no carro, fiquei com medo de perder a corrida.”
 

Os não-famosos também rendem boas estórias. Márcio já passou 15 dias contratado por uma mulher que seguia o marido, desconfiada de traição. “Até rendeu um bom dinheiro, e ela virou uma grande amiga, mas foi muito cansativo.” Em outra situação pegou um cliente que sofria de insônia. “Ele queria passear até o sono chegar. Fiquei de 1 da madrugada até às 5 da manhã, só rodando.” Um outro veio de São Paulo para um congresso. Queria pagar o taxista para acompanhá-lo pelos bares da cidade e servir como ouvinte. “Ele disse que tava há 28 anos sem beber, queria uma noite de porre longe dos conhecidos, pra ninguém saber. Sobrou pra mim. Não podia beber, mas tive que ouvir a história da vida dele a noite todinha.”
 

Para Márcio, a profissão tem dificuldades, como qualquer outra e pouco compreendida pela sociedade em geral. “As pessoas julgam a gente. Veem a gente com carro novo, pensam que é uma vida folgada. Não sabem que é tudo obrigação, justo pra atender bem a eles. Ou então dizem que taxista é mal-educado, sem instrução. Conheço um bocado que paga faculdade com o que ganha no táxi”.

Apesar dos revezes, ele diz que tudo tem seu lado bom, e gosta do que faz: “Quem nunca sonhou em sair de casa sem destino? Quem diz o nosso destino é o cliente. A gente nunca sabe onde vai. De repente tá num canto da cidade, depois tá do outro lado. Assim acaba conhecendo muito. Isso é bom!”

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