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A peculiar e nômade vida no circo

Hoje eu abro minha janela e vejo a Avenida Washington Soares, outro dia eu abro minha janela e vejo o mar, outro dia tá muito frio, vejo neve. É assim. Não tem aquela monotonia



Fernanda Stevanovich, administradora de circo

Fernanda mora em uma carreta espaçosa e cheia de objetos de decoração. A família do marido faz apresentações circenses desde o século XIX e os cinco filhos dela continuam a tradição.

Você Sabia?

Existe uma resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE) que assegura o acesso à educação para crianças e jovens que vivem em situação intinerante, como no caso do circo. A resolução obriga as escolas a aceitarem esses alunos, mesmo fora do calendário letivo, e define que os conselhos tutelares e da criança e do adolescente devem acompanhar a frequência e desempenho escolar deles. 

O camarim do Le Cirque minutos antes do espetáculo começar. Os artistas precisam ser rápidos nas trocas de roupa.

É como se você estivesse dançando com seu corpo e, ao mesmo tempo, com o seu espírito.

Suelen Rocha,

acrobata.

Suelen mora com seus dois "filhos" e o marido em um trailer compacto. Muitos artistas do Le Cirque têm animais de estimação.

Por Juliana Abrantes e Lucas Catrib



Uma mini-cidade que se desloca sobre rodas, que não tem uma nacionalidade específica, nem espaço para preconceitos ou individualidades. Todos os seus habitantes vivem com as emoções à flor da pele e  formam uma grande família, e uma empresa ao mesmo tempo.  Assim é o circo.




Uma vida nômade: passar alguns meses em uma cidade e mais alguns meses em outra, conhecendo pessoas, costumes, linguagens diferentes. É essa a possibilidade que a vida de circo oferece.  "Hoje eu abro minha janela e vejo a Avenida Washington Soares, outro dia eu abro minha janela e vejo o mar, outro dia abro minha janela e tá muito frio, vejo neve, é assim. Não tem aquela monotomia", conta Fernanda
Stevanovich, uma ex-artista nascida na Argentina, que hoje cuida da parte administrativa do circo fundado pelo marido, que é francês.



Fernanda tem quatro filhos homens, o mais novo tem 17 anos e o mais velho 25. Todos são artistas do circo e se apresentam no número que é considerado o mais perigoso do espetáculo: o "temido” globo da morte. Ela conta que o filho mais novo, Nícolas, começou com 11 anos andando de bicicleta no globo da morte, aos 13 anos já assumiu o comando de uma das motos. O coração de mãe fica apreensivo: "Eu conheço o barulho das motos todas, se alguma estiver diferente, eu sei que alguma coisa aconteceu", diz Fernanda ao confessar que não tem coragem de olhar enquanto os filhos se apresentam.



A caçula da família Stevanovich é Sofia, a filhinha de apenas 5 anos de Fernanda. "As crianças de circo, brincam de circo", compartilha a mãe contando que a menina gosta de participar dos espetáculos, entrando ao final fantasiada e dançando desde que tinha apenas um ano de idade.



A admiração e envolvimento com o espetáculo vem desde criança para os filhos de artistas de circo. Foi assim que aconteceu com Bob Zolboo. "Os filhos geralmente também querem ser  artistas de circo, porque eles nascem e convivem vendo os pais trabalhando. Meu pai nunca me forçou a escolher circo, eu que escolhi. Eu sempre tive uma admiração e fui cultivando isso", explica o malabarista. Ele é filho único de um casal de artistas da Mongólia, junto com pais, realiza um número.



Bob deixa claro que não se imagina vivendo uma vida diferente da que vive com seus pais no Le Cirque. "Para quem nasceu em circo é muito difícil sair do circo. Eu fiquei 3 meses em um circo escola, onde voltavámos para casa 8 horas, eu não aguentei", exemplifica o artista. A adaptação a uma rotina diária monótona, morando em uma cidade permanentemente,  sem pensar no próximo destino, parece inviável para esses artistas.



Diferentes culturas 

Outro fator que torna mais interessante a vida no circo é  a possibilidade de conviver diariamente com pessoas de todas as partes do mundo. "A melhor parte do circo é a mistura de culturas, é muito bonita. No final do ano, a gente faz a ceia de Natal, e cada artista traz sua comida: do Brasil, da Argentina, da Suécia, do Uruguai, da Mongólia. Aí todos começam a misturar as comidas", conta Bob. "Cada um tem seus costumes, suas tradições, suas músicas, suas danças. Acaba um ensinando para o outro e isso é a melhor parte", completa Fernanda.



O Le Cirque tem cerca de 50 pessoas que moram nos trailers e viajam com o circo. Ao chegar em uma nova cidade, funcionários terceirizados são contratados para o processo de montagem e desmontagem da estrutura e para ajudar nas barraquinhas de comida. Entretanto, a maior parte do trabalho é feita pelos próprios artistas e por seus familiares. Se engana quem acha que eles só trabalham na hora do espetáculo.



Bob, por exemplo, recolhe tickets na bilheteria minutos antes do show começar. "Eles ficam cuidando da iluminação, na portaria, no estacionamento, aonde precisa, alguém vai lá e colabora. O pessoal do circo se ajuda muito, a gente trabalha em conjunto. É indispensável que aqui tenha sempre união", explica Fernanda.

“O trabalho em equipe é indispensável para que todo o trabalho necessário seja realizado. “No espetáculo eu sou palhaço e malabarista. Quando o circo está viajando, eu dirijo as carretas, faço  a mudança do circo", conta Carlos Ayres, outro artista do Le Cirque, que também se divide entre várias funções.



Atleta e artista

A vontade de contribuir com o grupo faz parte da rotina diária e é evidenciada diante das dificuldades do circo. O dom de cada um colabora para um espetáculo visual invejável. Mas, os artistas também ganham condição de realizar tais proezas com a repetição do treinamento, que muitas vezes chega perto da intensidade de um atleta profissional.



Semelhança que Suelen Rocha conhece bem, já que, antes de ser artista de circo, ela era atleta de ginástica rítmica, chegando até a integrar a seleção brasileira.“É bem parecido com a vida de atleta, mas hoje em dia é mais prazeroso, porque é feito com mais maturidade. É uma coisa que vem da sua criatividade, vem de dentro. É como se você estivesse dançando com seu corpo e, ao mesmo tempo, com o seu espírito", analisa Suelen.



Por que Suelen largou a vida de atleta para se juntar ao circo? Ela responde com um sorriso: "Por amor!". Ela conheceu o atual marido, artista de circo, quando tinha 16 anos. Eles se apaixonaram e continuaram se comunicando à distância quando ele foi embora da cidade com o circo.

Quase 10 anos depois, ele foi buscá-la e eles se casaram. Suelen aprendeu então a técnica do circo com o marido e passou a se apresentar com ele em um número romântico envolvendo dança e acrobacia, onde eles encenam Tarzan e Jane. Há três anos, ela também se apresenta em um número solo de tecido aéreo.



Sobre a reação da família quando ela decidiu seguir a vida nômade do circo, a moça conta que não foi tão fácil. "No começo minha mãe ficou meio com receio, com medo. Mas hoje em dia ela já veio me visitar várias vezes, viu como é a minha vida, gostou e  aceita numa boa", comenta a artista. E é no circo que Suelen pretende construir sua família, por enquanto os "filhos" que ela tem são dois cachorros: um pitbull e um lulu da pomerania, que moram em um trailer junto com ela e o marido.

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